Certo dia num passado não tão distante, depois de chorar alguns consideráveis litros e soluçar algumas dezenas de vezes, mamain, muito da sábia, me soltou uma frase que ainda está ecoando aqui dentro:
̶̶̶̶ Se tu fica assim agora, imagina quando tiver problema?
Claro que, colocando em perspectiva a minha vida com a vida da minha mãe na minha idade, eu sou muito da privilegiada. Nunca passei fome, diferente dela. TV tem na minha casa desde que eu era pequena. Eu não preciso trabalhar pra colocar comida em casa, uma casa com pais e seis irmãos pra dividir o arroz que nem a dela. Eu preciso trabalhar pra poder comprar minha calça jeans, me graduar na faculdade, e, entre um momento e outro, beber uma cerveja ou assistir a um show internacional. Contudo, eu entendo o ponto dela. De verdade. Eu seria uma péssima adulta se precisasse lidar com o que a mamãe lidou e ainda lida. A vida é mais fácil agora, mas ela nunca é fácil o suficiente.
A perspectiva é o que mata. Quando a gente tem ou teve o pior, um ruim, em tese, não deveria afetar tanto. Quando a gente teve algo melhor, eu diria que a perspectiva fica ainda mais dolorida: foi bom, foi ótimo, e agora não é mais.
Mas eu já estou melhorando. É sério. Estou aprendendo mais. Sabendo o que me deixa mal, o que me deixa estressada, o que me deixa sensível. Eu ainda fujo de confrontações como o diabo foge da cruz pois confrontações me fazem chorar ou me deixam com raiva, e passar raiva me faz chorar ou eu me sinto pressionada, e sob pressão eu quero chorar porque that's how I roll. It's all fun and games até eu virar uma gelatina de lágrimas.
"Comparing yourself to others is an act of violence against your authentic self."
— Iyanla Vanzant
Em algum momento entre a minha infância e a adolescência eu passei de uma criança que dava oi da porta de casa pra mendigo que passava na rua (de acordo com a matriarca), pra uma adolescente fechada que se achava way too good pra sentimentos. Sim, ridícula assim mesmo. Eu fiz minha boa parcela de amizades, embora tenha perdido algumas delas. Eu consigo manter um grupo considerável de amigos apesar de não conseguir criar nenhum novo laço muito relevante. O muro do se achar way too good pra sentimentos caiu por terra, mas um outro muro esquisito nunca desapareceu: aquele que até me deixa conversar (se em um grupo) e conhecer gente nova, me faz gostar das pessoas, mas alguma linha invisível me pára ali, e, na minha cabeça, é só porque eu não sou funcional o suficiente pra engajar em novos relacionamentos. E eles precisam ser relevantes, porque meio-algo nunca foi pra frente comigo.
Quando, então, como por um milagre do destino, eu engajo em algo novo, eu espero e coloco muita fé de que aquilo, aquela relação de amizade, vai ser a+ e grandiosa. Introverts don’t get lonely if they don’t socialize with a lot of people, but we do get lonely if we don’t have intimate interactions on a regular basis. Por esperar mais e considerar mais, eu, que estou longe de ser a melhor das amigas, namoradas e filhas, sofro 967% mais quando alguém que pra mim é o melhor (de novo, meio-coisas não vão pra frente) faz algo que, mesmo que sem intenção, resultam em mágoa.
Quando, então, como por um milagre do destino, eu engajo em algo novo, eu espero e coloco muita fé de que aquilo, aquela relação de amizade, vai ser a+ e grandiosa. Introverts don’t get lonely if they don’t socialize with a lot of people, but we do get lonely if we don’t have intimate interactions on a regular basis. Por esperar mais e considerar mais, eu, que estou longe de ser a melhor das amigas, namoradas e filhas, sofro 967% mais quando alguém que pra mim é o melhor (de novo, meio-coisas não vão pra frente) faz algo que, mesmo que sem intenção, resultam em mágoa.
Nesses momentos, em que penso com os meus botões, percebo que eu sou um universo particular e o outro também é. Nenhum de nós é o diferentão special snowflake, mas todos nós passamos por merdas e realizações diferentes que nos afetam de uma série de maneiras diferentes.
Esses dias, no que eu previa ser um dia de merda e de fato foi, entrei num prédio e fui pegar o elevador. Chegando na fila vejo que o cara da frente não havia pressionado o botão pra chamar o elevador (sou da ideia de que existem pessoas que não sabem como eles funcionam), e por isso passei na frente dele pra chamar o negócio. Já voltando pro meu segundo (!!!) lugar da fila, o homem me solta um: "tem fila, querida.", num tom grosso da maneira que vocês podem imaginar. Eu, que já previa um dia de merda, anuí baixinho e, ali, por causa disso, senti vontade de chorar. Dez minutos depois eu já havia pensado em 207 maneiras igualmente grosseiras de responder, mas né, passou. Deixa pra lá. Talvez em uma outra realidade, em que naquele dia meu cabelo estivesse bom, eu tivesse acordado animada e sem medo de fazer um exame, eu teria só concordado e dado um sorriso amarelo e nunca mais recordaria daquela pseudo-patada muito mundana. Só não naquele dia, e não em outros dias também. Ocasionalmente uma palavra atravessada, uma brincadeira de mau gosto, uma falta de consideração, ou mesmo ser ignorada e/ou deixada de lado doem mais, e às vezes essas mesmas coisas passam batido ou com muito pouco estrago.
Então, não, talvez eu não tenha os mesmos problemas que o resto do mundo (ainda bem!). Eu não passo fome, não sofro de nenhuma doença grave (que eu saiba), não passei por nenhum trauma psicológico, mas sou carne, osso e alma e, felizmente, ainda sinto. Dos sentimentos agoniantes, o pior que já senti foi não sentir nada. E, como diria Florence Welch, you are flesh and blood and you deserve to be loved and you deserve what you are given.